Foto: NASA |
Lovecraft era um astrônomo amador, e se você já se aventurou por esse terreno, provavelmente sabe o quão desolador pode ser a descoberta de nossa insignificância perante o universo. As distâncias em unidades astronômicas, a velocidade da luz mostrando-se por demais pequena para mensurar os valores espaciais e o vazio soturno e melancólico que se propaga pelo espaço e pelo tempo. O físico Stephen Hawking certa vez disse que:
“Quando as pessoas me perguntam se um deus criou o universo, eu respondo que a questão em si não faz sentido. O tempo não existia antes do big bang, então não havia um tempo para deus criar o universo. É como pedir as direções do canto da Terra; a Terra é esférica; não tem canto; procurar por ele é um exercício de futilidade. Cada um é livre para acreditar no que quiser, e é minha visão que a explicação mais simplista é: deus não existe. Ninguém criou o universo e ninguém dirige o nosso destino. Isso me levou a uma conclusão muito profunda; a de que provavelmente não há Paraíso (Céu), e nem vida após a morte. Nós temos esta única vida para apreciar o grande desenho do universo, e por isso eu sou extremamente grato”
Portanto, chegamos à conclusão de que a Igreja estava certa ao condenar Galileu, se não há Ciência, não há dúvidas (estou sendo irônico aqui, se me entendem). Mas o fato é que o conhecimento das dimensões do universo é um conhecimento muito difícil de conciliar com uma religião cristã. Lovecraft abraçou o ateísmo, mas foi vítima de uma grande ironia, quando, tentando negar a religião, criou o Cthulhu mythos, uma mitologia fantástica que pretendia explicar, ou melhor, não explicar o universo. Nos contos do mythos conhecimento não é poder, conhecimento é aniquilação.
"A emoção mais forte e mais antiga da humanidade é o medo, e o tipo de medo mais forte e mais antigo é o medo do desconhecido." - H.P. Lovecraft
Na mitologia lovecraftiana o universo foi criado por Azathoth, um deus cego e idiota, que habita o centro do universo. Azathoth teria desencadeado o Big Bang, quem sabe por acidente. Esses deuses primevos, os deuses exteriores (outer gods) seriam entidades, mas não deuses no sentido próprio como entendemos o termo. Um deles representa o tempo, o tecido temporal em si, outro o espaço, a energia da vida, etc. A humanidade não tem contato com esses deuses, exceto com Nyarlathotep, também conhecido como o caos rastejante. As motivações e os desígnios deste último são um mistério dentro de um enigma.
A ideia do autor nunca foi desenvolver um material claro e coerente sobre o que se convencionou chamar de mythos. Ao contrário, há diversas contradições em relação a esses deuses, apenas para deixar claro que a humanidade compreende o cosmos assim como uma formiga compreende os seres humanos.
De qualquer maneira é bem irônico que um autor ateu tenha desenvolvido uma série de explicações para os mistérios que sondam a humanidade. Lovecraft era muito imaginativo e criativo, e suas criações refletem um encantamento com a grandiosidade do universo. Em uma carta que pretende defender suas convicções (mas que na verdade não sai de cima do muro), o gênio Einstein escreveu que “a experiência mais bela e mais profunda que um homem pode ter é o sentido do mistério. É o princípio fundamental da religião, bem como de todo esforço sério na arte e na ciência. Aquele que nunca teve essa experiência parece-me que, se não está morto, então, está pelo menos cego. Perceber que por trás de tudo o que pode ser experimentado há uma coisa que a nossa mente não pode compreender, cuja beleza e magnificência nos alcança apenas indiretamente: isso é religiosidade. Neste sentido, sou religioso. Para mim, basta questionar estes segredos e tentar humildemente entender com a minha mente uma mera imagem da estrutura elevada de tudo que existe”.
Esse foi o mistério de fundo de nossa existência, captado por Lovecraft e transformado nas histórias fantásticas e envolventes sobre criaturas sobrenaturais e seu relacionamento com os humanos.
Sobre o Autor
Publicou contos em diversas antologias, dos mais variados gêneros literários, tanto em formato tradicional quanto e-book, das editoras Komedi, Andross, Aped, Ixtlan, Illuminare, Multifoco, Navras Digital, Babelcube Inc., Darda e Buriti. Como roteirista participará da antologia de HQ "O Rei de Amarelo em Quadrinhos". Mantém um Website, uma conta no Twitter, Facebook e mais outras tantas redes sociais que não dá conta de verificar, atualizar, postar e compartilhar. |