Oi, pessoal. Tudo bem? Espero que sim.

Já vamos começar com um exemplo: suponhamos que você tenha uma ideia bem legal como:
“Três irmãos são criados em algum país europeu pelo pai, já que a mãe faleceu ao dar a luz ao mais novo, durante a Segunda Guerra Mundial. O pai é convocado para lutar e deixa as crianças em uma fazenda aos cuidados de um irmão. Como o tio delas é um alcoólatra agressivo, eles fogem e percorrem a cidade em busca de um lugar para viver enquanto o pai não volta”.
Boa, não acham?

Daí você está desenvolvendo as personalidades: o pai deve ser um homem forte, o tio é um alcoólatra covarde, filho mais velho pode ser um garoto de ação procurando copiar o pai e sendo impulsivo ou precipitado para dar contraste com o irmão do meio, mais analista e inseguro. Daí você não consegue definir a personalidade do caçula... e por que não o elimina?

“Ah, porque eu gosto de Harry Potter, Percy Jackson e Crepúsculo. Lá eles usam trios e eu também quero usar”, você pode justificar.

Mas se você tem época, tempo, personagens com personalidades e trama com objetivo (a sobrevivência dos garotos até o retorno do pai), por que manter um personagem que não fará diferença?

“Porque a história é minha e eu quero mantê-la assim!”, você pode insistir.

Ok. Eu não vou brigar. Mas me darei ao direito de ter uma opinião: você estará cometendo um erro.
Originalmente, o DeLorean seria uma geladeira,
o doutor Brown seria um cientista do Projeto Manhattan
e a máquina do tempo seria lançada no primeiro teste de bomba nuclear.
Já pensou?
Uma história é como uma máquina onde a abertura é a lataria (bela, forte e com um design atraente), os personagens são as engrenagens (os elementos da máquina), os diálogos são os lubrificantes (diminuem o “atrito” de uma história somente com narrador e discursos indiretos), as cenas são a fonte de energia (movendo a “máquina”) e o final é a sua função. Portanto, é preciso ponderar sobre aquilo que se coloca ou não se põe para a máquina não ter funções afetadas.

O processo de destrinchar uma história serve justamente para isso: pegar a ideia principal e mantê-la, trocando os personagens que podem executá-la. Pode ser no nível técnico (como na clássica pergunta: devo narrar em primeira pessoa ou terceira pessoa? E sob o Ponto de Vista de quem? Se não souber o que é um PdV, leia aqui) ou no planejamento (o personagem principal será um garoto ou uma garota? Ele terá pais? Irmãos? Um par romântico? Um triângulo amoroso?).
Originalmente, Luke e Leia seriam anões (?!).
Destrinchar uma narrativa exige sangue frio e abstenção de ego para entender que o importante é contar a história independente dos personagens que ilustrarem-na. No exemplo dado anteriormente, o importante era mostrar a sobrevivência de três irmãos nas ruas até o regresso do pai. Mas se a essência for mantida (a sobrevivência de uma criança no mundo), podemos ter outra sinopse:
“Marquinhos não pôde viajar com os pais nas férias porque ficou doente um dia antes da viagem. Daí ele teve que ficar em casa aos cuidados da avó enquanto os pais iam viajar e não perder o dinheiro já gasto nas passagens. Como a avó só se preocupa em alimentá-lo e fazê-lo dormir, o garoto tem a chance de sair mais de casa, coisa que a sua mãe sempre reclama quando ele faz alegando que “não quer vê-lo na companhia desses moleques das ruas”. Ele sai e passa a ter amigos e inimigos com quem vai precisar lidar enquanto os pais não voltam”.
Viram? Mantive a essência (sobrevivência) e fui mudando as coisas: cenário (pelo nome, dá para subentender que Marquinhos deve ser de algum país lusófono), quantidade de protagonistas (de três, passei a um), os motivos da viagem (sai a guerra e entra a vontade de não perder as passagens das férias), o motivo para se viver nas ruas (a curiosidade de ir lá) e o motivo de luta pela sobrevivência (moleques malfeitores).
Pixar: contando de várias formas a mesma coisa. Eu amo a Pixar...
Uma boa dica para quem quiser destrinchar uma história é fazer um planejamento dela com seus plot twists (não sabe o que é? Leia aqui) já marcados em uma linha do tempo e mostrar a alguém. De preferência, a uma pessoa que conheça boas histórias e seja instruída no meio social/temático da narrativa (ou você vai ouvir muitas reclamações daquele seu amigo comunista sobre a sua história da vida de um empresário iniciante...). Você vai ouvir boas dicas assim como as ruins. Separe o joio do trigo e seja franco sobre as possibilidades de você estar estragando a sua própria narrativa por seguir um conselho... ou não.

Se tiverem dúvidas, postem nos comentários.

Obrigado a todos(as) e continuem escrevendo!

Sobre o Autor
Davi Paiva nasceu em São Paulo, Capital, em 1987. É graduado em Letras pela Universidade Cruzeiro do Sul. Participou de várias antologias da Andross, Terracota, CBJE, Navras, Literata, All Print, Aped e Darda Editora, sendo nesta última o organizador da antologia Poderes - Contos sobre Pessoas com Dons Extraordinários. Publica suas obras em diversos sites, entre eles o recantodasletras.com.br
Contato: davi_paiv@hotmail.com.

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