- Cartas -

Passavam das 4 horas da manhã, e ele continuava acordado. Há dias estava sem sono. Ao colocar a cabeça no travesseiro, não conseguia pensar em mais nada, a não ser em seus problemas amorosos, profissionais e até mesmo pessoais.
Em desespero, e sem saber o que fazer, decidiu que procuraria ajuda de alguém que estava desde o principio ao seu lado: seu próprio coração.
Não sabia como iria fazer isso, até por que, nunca havia feito algo parecido: falar com o próprio coração, sobre seus próprios sentimentos. Escreveria? Sussurraria? Ficaria apenas nos pensamentos?
Depois de muito pensar, decidiu que escreveria. Não seria apenas uma carta para seu coração. Usaria das palavras escritas, para encerrar um ciclo. Ou melhor, dois: o do sofrimento e o da esperança.
Foi até a escrivaninha próxima a sua cama, pegou uma folha de caderno, uma caneta esferográfica com tinta azul e começou a escrever:
Meu amigo.
Confesso que não entendo por que estou escrevendo estas palavras para você, mas posso dizer que és meu o único amigo que continua ao meu lado, e ninguém melhor do que meu único e melhor amigo, para me consolar e me ajudar nessa hora. Você, meu coração, é quem está comigo desde o começo de minha vida. Foi quem sentiu junto comigo todas as minhas dores e minhas angústias. Com quem compartilhei minhas lágrimas e os meus sorrisos mais sinceros. É você também, que poderá me ajudar, pelo menos é o que eu espero.
Por estar comigo durante todos estes anos, sabe que estou passando por um momento tão infeliz, de muita dor, e por isso lhe peço: por favor, não me abandone. Não me deixe sozinho. Fique ao meu lado neste momento, para que eu consiga voltar a sorrir, mesmo que os ventos não estejam soprando ao meu favor. Sei que sou forte, e que conseguirei sair dessa, preciso apenas de ti meu coração. Abrace-me neste momento. Continue batendo dentro de meu peito, e me mostre que você está ao meu lado. Não me deixe cometer nenhuma loucura. É o que lhe peço. Como diz a canção, “Preciso de ti aqui, para me consolar”*. Me ajude.
Ao terminar de escrever, leu e releu, até que decidiu que era realmente aquilo que precisava falar ao seu coração. Ele, que sempre teve poucos amigos, dificilmente tinha ao seu lado, pessoas com quem pudesse conversar. Seu único amigo, havia entrado no mundo das drogas, e sua amiga, no mundo da prostituição. Sozinho, achou que ao escrever aquelas palavras, mesmo sem saber quem poderia lê-las, se sentiria aliviado. Havia desabafado. Era como se tivesse gritado com todas as suas forças, para tirar da sua garganta, algo que estava preso há anos.
Ao se lembrar dos únicos companheiros, decidiu que também iria escrever alguma coisa para eles, mesmo sabendo que estas palavras poderiam jamais chegar até os dois. Pegou uma nova folha de caderno, e escreveu:
“Meu amigo, minha amiga.
Sei que vocês estão juntos nessa vida. Sei que você, meu amigo, entrou neste terrível mundo das drogas, apenas para tentar silenciar a sua dor. Hoje eu entendo, apesar de que jamais faria isso. É estranho estar dizendo isso, mas saiba que só digo estas palavras, porque sei que você tem consciência deste erro, como também sabe que precisa fazer um tratamento para se livrar de todo esse mal. Espero que consiga realiza-lo o mais rápido possível.
Minha querida amiga saiba que sinto muito por não tê-la ajudado. Acredito que se naquela época que esteve passando por dificuldades financeiras, eu tivesse interferido, você jamais teria entrado neste mundão que é de todos, literalmente. Jamais irei me perdoar por isso, no entanto, saiba que continuo te amando, como minha única e verdadeira amiga.”
Logo depois, deixou aquela folha de lado pegando uma nova. Havia outra carta que ele era obrigado a escrever: para a garota que esperava há meses. Precisava colocar um ponto final nessa enrolação. Precisava colocar um ponto final na esperança que tinha de tudo acontecer. Jamais ficariam juntos, ele sabia.
Nesta terceira carta, poderia escrever palavras grosseiras, e expressar toda a mágoa que estava sentindo, porém, continuou sendo ele mesmo. Apenas escreveu aquilo que seu coração mandou:
“Oi...
Confesso que não sei por que estou lhe escrevendo. Talvez ao ver que é minha carta, você nem queira mais lê-la, e se isso acontecer irei entender. Quero dizer, em todo esse tempo que estive perdidamente apaixonado, não olhei para nenhuma outra mulher. Sempre respeitei o meu sentimento, apesar dele nunca ter sido recíproco. Não te culpo por isso, e muito menos quero com estas palavras, mudar algo que sinta por mim. Ao virmos ao mundo, nossos destinos já estão traçados, e talvez os nossos destinos, nunca se encontrem.
Se estiver lendo, você deve estar se perguntando o motivo de eu estar escrevendo?
Não é para falar bobagens, ou para criticar, nem mesmo tentar conquista-la, muito pelo contrário. Quero apenas dizer que eu seguirei minha vida. Sozinho. Sairei dessa cidade. Irei procurar algo para fazer em qualquer outro ponto do país, só para eu ficar distante de todos esses problemas que me perseguem. Estou querendo apenas recomeçar, e buscar a chance de ser feliz novamente.
Espero que assim como eu, você conquiste a felicidade. Encontre alguém que possa lhe fazer aquilo que eu não fui capaz.”
Ao terminar de escrever a última frase, ele pensou: “Encontre alguém que faça aquilo que não me deixou fazer.” Em certo momento, quis colocar essa frase, porém, não queria criticar aquela mulher. Queria apenas se despedir.
Estava tudo pronto para partir. Tomou uma xícara de café, trocou de roupa, preparou a sua mala e foi em direção à porta da sala, foi quando se lembrou de que havia mais uma coisa a ser feita. Uma última carta, afinal, não poderia esquecer seus familiares. Por isso, voltou até a escrivaninha, pegou uma nova folha de papel e passou, novamente, a escrever.
“Pai, mãe...
Sei que sempre fui uma pessoa ausente. Muitas vezes briguei por motivos bobos. Não fui um exemplo de filho, mas saibam que sempre tive um amor incondicional por ambos.
Pai, arrependo-me por nunca ter dito que te amava. Que te amo. Mãe, arrependo-me por nunca ter lhe dado aquele abraço sincero de um filho. Mas saibam, que isso jamais mudou o sentimento que tenho por vocês.
Hoje, se pudesse faria tudo diferente, porém o tempo não deixou que isso acontecesse. Saibam que vou guardar tudo que me ensinaram. Um dia nos reencontraremos. Essa é a minha única certeza.”
Enquanto escrevia, lágrimas rolaram por sua face, pois ficava emocionado ao falar de seus pais, já que se lembrava de tudo o que fizeram por ele, da infância, onde eles mostraram o que era certo ou errado, principalmente em relação as drogas. Se hoje ele não estava no mesmo mundo de seus melhores amigos, devia isso aos pais. Considerava-os como verdadeiros heróis, mesmo que jamais tenha dito isso a eles, mas não deveria ficar remoendo lembranças, pois elas tinham o poder de acovardar as pessoas. Já havia decidido o que iria fazer, e não queria pensar na possibilidade de ser um covarde.
Com todas as cartas prontas, ele as dobrou, colocando no bolso da calça, e finalmente saiu de casa. Precisava entregar todas aquelas cartas.
O lugar mais próximo era a casa de seus amigos. Eles, que moravam juntos, iriam também ler aquela carta juntos. Ele chegou a pensar em chamar seus amigos, mas o sol acabara de nascer. Não achava legal acorda-los, se é que eles estariam em casa. Apenas colocou a carta destinada a eles debaixo da porta. Não havia mais nada a fazer.
Foi à praça principal da cidade, onde havia um belo jardim com diversos tipos de flores: rosas, margaridas, cravos, girassóis. Montou um pequeno buquê e foi em direção à próxima casa: de sua amada.
Chegando ao local, tirou do buquê todas as rosas vermelhas, e mesmo não querendo acorda-la, tocou a campainha, deixando a carta e a rosa em frente ao portão. Escondeu-se na esquina mais próxima dali, e ao vê-la abrindo o portão, pegando o buquê e a carta do chão, chegou a se arrepender e querer voltar tudo. Ele a amava demais para deixa-la, porém sabia que jamais a teria em seus braços, por isso continuou com seu objetivo.
Depois que sua amada entrou novamente, ele foi para seu próximo destino.
Andou por mais alguns minutos, até chegar próximo ao cemitério. Adentrando naquele local, caminhou por uma estrada com fileira de túmulos, não demorando muito para encontrar um dos túmulos mais antigo dali, que apesar de tudo, continuava muito bem conservado. Havia uma escultura de Cristo ornamentando aquela lápide. O jovem, tirou as cartas que restaram, colocando-as em cima do túmulo. Ajoelhou-se diante da escultura e fez uma oração, saindo de lá logo depois. Iria para uma nova cidade e tentaria mudar de vida. Queria encontrar a felicidade, longe dali.
Mais tarde, o coveiro, ao andar pelo cemitério, encontrou aquelas duas cartas próximas ao túmulo. Não demorou a perceber, que quem havia escrito aquelas cartas, queria que as pessoas que estavam enterradas ali, pudessem lê-las, mesmo que isso fosse impossível. Para tentar ajudar quem é que havia escrito aquelas cartas, o coveiro coloco-as em um pequeno saquinho, pendurando-as nas mãos de Cristo.

Os amigos, hoje estavam livres de todos os problemas. Ele, depois de um ano em tratamento, estava livre das drogas, trabalhando em uma grande empresa, e feliz por estar casado com aquela mulher, que antes, ganhava a vida vendendo o próprio corpo. Ela, por sua vez, estava realizada, pois não era mais prostituta, pelo contrário, em nove meses seria mãe. Ao lerem a carta, ambos se arrependeram de mesmo depois de estarem livres das drogas e da prostituição, não terem procurado o amigo. Agora era tarde, e eles nunca mais voltariam a vê-lo.
Sua amada, ao ler a carta destinada a ela, o procurou, porém jamais o encontrou. Ele havia desistido de esperar, e ela, agora chorava por ter demorado tanto para demonstrar e assumir seus sentimentos. Nunca se perdoou por ter deixado o homem que amava escapar com essa facilidade. Hoje, se ela pudesse voltar atrás, faria tudo diferente. Não recusaria todo o amor que ele tinha para dar. Amor este, que ela simplesmente ignorou.

* As Dores do Silêncio - Rosa de Saron

Ricardo Biazotto (ricbiazotto)

Queria novamente agradecer a Cámila Márcia, que como sempre, me ajudou na finalização deste conto. Espero que gostem, e entendam a mensagem que eu quis passar. Essa e uma história ficticia, e qualquer semelhança é mera coencidência. Caso use algo escrito aqui, dê os devidos créditos. Valeu.

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