Vamos começar já com um breve exemplo de sinopse:
Andrei vai se mudar para o interior do estado com o pai e o irmão mais velho, pois o primeiro vai assumir um cargo público na secretaria da saúde e o outro conseguiu uma vaga de enfermeiro em um hospital particular. Apesar da felicidade dos dois, o jovem de 16 anos não vê essa viagem com bons olhos: ele mal falava com seus amigos de infância e pelo menos ganhava uns trocados consertando computadores. Agora vai para uma cidade sem conhecer ninguém e torcendo para encontrar alguém que precise trocar a placa de vídeo de um PC...
Até aqui não temos nada de diferente do que já ensinei a vocês: Andrei será o nosso protagonista que passa por uma transformação na vida: de garoto reservado da cidade, ele vai ter que recomeçar a sua vida do zero, sem serviço e sem amigos.

Agora temos três coisas que podemos inferir da personalidade dele bem como na do pai e do irmão:
  • O pai dele, além de ser chefe da família, está para assumir um cargo de liderança. Podemos esperar dele uma pessoa segura;
  • O irmão vai assumir um cargo no qual vá lidar com pessoas. Embora não seja pai de família, também podemos esperar dele outro tipo de segurança: a de lidar com pessoas;
  • Andrei mal falava com seus amigos de infância e fazia um bico um tanto quanto solitário: consertar computadores. Portanto, podemos esperar que ele seja uma pessoa tímida, reservada ou até antissocial.
Portanto, faço duas perguntas a você que está lendo este artigo: qual dos três você acha que vai lidar melhor com a mudança para a nova cidade? E caso passem por uma situação difícil, qual dos três vai precisar de mais tempo, terá mais reflexões internas e mostrará que “treme na base” para tomar uma decisão?
Youta Motenuchi, do mangá Video Girl Ai: nunca sabe o que quer da vida!
Criar personagens introspectivos e extrospectivos dá trabalho. É preciso definir bem os backgrounds (não sabe o que é um background? Leia aqui) para definir se um personagem mimado pelos pais tem mais tendência a liderar uma situação do que um sujeito criado em Esparta.

Para isso, recomendo que avalie:
  • Idade do personagem: a não ser que ele seja um rei desde os 8 anos, dificilmente ele vai chegar aos 13 com ar durão, experiente e com capacidade de decidir com quais reinos se aliar;
Lyanna Mormont, do seriado Game of Thrones:
ser “badass” desde a infância é para poucos.
  • Criação até o começo da história [background]: se o seu personagem foi criado por um pai sensato e uma mãe carinhosa (ou o contrário), ele teve boa estrutura para crescer como uma pessoa íntegra. Diferente de um sujeito filho de um fracassado e uma mãe alcoólatra que sempre batiam nele;

Nota: como todos nós sabemos, família não é aquela que te colocou no mundo. Mesmo um personagem criado por dois pais ausentes que vivem trabalhando pode ter um bom caráter se for criado por uma empregada amigável, por exemplo.
Christian Grey: se fez de durão e dominador por três livros.
No quarto, vemos que ele é só um garotinho mimado...
  • Círculo de amizades: algumas vezes, é normal que o personagem faça dos seus amigos a sua verdadeira família. Um personagem com amigos fala de si e ouve, diminuindo os riscos de ser uma pessoa fechada;
Gaara: criado para ser uma máquina de matar, abandonado pelos
pais e irmãos além de não ter amigos, abraçou a única coisa que tinha:
o seu desejo de destruir.
  • Ídolos: um personagem inspirado em algum ídolo (seus pais/responsáveis, amigos mais velhos, artistas, esportistas, políticos, líderes ativistas, etc.) tem mais chances de ter um exemplo de como agir em situações de conflito. É o caso clássico de “posso estar morrendo de medo. Mas se o John Wayne não temia ninguém, eu também não temerei”.
  • Experiências de vida: quantas vezes o seu personagem teve que lidar com dilemas em seu passado ou mesmo em seu presente? E como ele foi resolvendo cada um: teve que ser honesto ou aprendeu que a trapaça é o melhor caminho?
Capitão América e Homem-Aranha: a diferença entre lidar
com vilões em Nova York e lutar na Segunda Guerra Mundial
Leônidas: criado para governar e lutar,
jamais ia tremer perante os persas.
John McLaine, da série Duro de Matar: depois de tanto
enfrentar terroristas, a vida de policial devia ser tediosa...
Portanto, com base neste planejamento, você pode desenvolver personagens mais seguros ou indecisos, que gastem mais ou menos tempo em reflexões (independentemente de ser o tempo cronológico ou psicológico, visto que um pensamento pode ocorrer em três segundos e ocupar mais de 30 páginas) e que possam ou não tomar iniciativas que movam a trama.

*

É isso, pessoal. Espero que tenham gostado deste artigo, bem como os anteriores.

Primeiro eu quero agradecer ao meu amigo Ricardo Biazotto por mais um ano de parceria, afinal é importante honrar a casa e seu dono. Em seguida eu agradeço a você que leu, aprendeu alguma coisa comigo, compartilhou com seus amigos e vai voltar aqui em maio de 2017 para acompanhar a minha coluna.

Vou sair de férias. Mas pretendo voltar com baterias recarregadas e muita coisa para passar a vocês: A Jornada do Herói, arquétipos de personagens (inclusive um que eu mesmo criei), como criar mundos fantásticos e o conceito de psydrops dos personagens. Ficaram curiosos? Espero que sim.

Obrigado mais uma vez e até logo!

Sobre o Autor
Davi Paiva nasceu em São Paulo, Capital, em 1987. É graduado em Letras pela Universidade Cruzeiro do Sul. Participou de várias antologias da Andross, Terracota, CBJE, Navras, Literata, All Print, Aped e Darda Editora, sendo nesta última o organizador da antologia Poderes - Contos sobre Pessoas com Dons Extraordinários. Publica suas obras em diversos sites, entre eles o recantodasletras.com.br
Contato: davi_paiv@hotmail.com.

2 Comentários

  1. Valeu pelo artigo, Davi!

    Eu sou introspectivo, mas tenho mais dificuldade de criar personagens assim.
    É muito mais fácil criar alguém que, quando tem um problema, vai lá e resolve logo :)

    Abraço,
    Lucas Palhão

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    1. Boa tarde!
      Você? Introspectivo?! Pelo que te conheço, duvido...
      (risos)
      Brincadeiras a parte, é um segredo que aprendi com um amigo escritor: crie personagens que tenham algo a ver com você (você, por exemplo, pode criar personagens que sejam pais, que sejam casados, que trabalhem duro, etc.) ou personagens que agem de formas que você jamais faria igual.

      Abraços.

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