A Vida em Tons de Cinza, Ruta Sepetys, tradução de Fernanda Abreu, 1ª Edição, São Paulo-SP: Arqueiro, 2011, 240 páginas

Americana e filha de um lituano refugiado, a autora Ruta Sepetys lançou em 2011 seu primeiro romance, contando a difícil realidade dos povos que sofreram com o genocídio de Josef Stalin, líder da URSS entre 1922 e 1953. A Vida em Tons de Cinza é uma história de superação, amor e esperança. Um livro fantástico.
Com apenas 15 anos, Lina Vilkas é uma garota cheia de sonhos e que está prestes a realizar o maior deles: estudar artes na capital. Mas a vida de Lina e de seus familiares muda drasticamente após a invasão soviética, e seus sonhos se tornam um verdadeiro pesadelo, onde horrores e dificuldades assombrariam a vida deles e de muitos outros lituanos.
Essa mudança acontece em uma noite como todas as outras. A diferença foi à chegada da NKVD, que aprisionou toda a família de Lina e os jogou, ao lado de outros lituanos, em um trem que partiu sem um destino certo. Com o passar dos dias, todos os prisioneiros passam a enfrentar os maus tratos, e são obrigados a obedecer as ordens soviéticas. Eles atravessam a Europa, sofrem, passam fome, suportam o frio, acompanham pessoas falecendo, mas não desistem de amar e buscar a sobrevivência, deixando a história emocionante do inicio ao fim.

Baixei os olhos para o rostinho rosado no meio da trouxa de pano. Um recém-nascido. O bebê tinha poucos minutos de vida, mas, para os soviéticos, já era um criminoso. Segurei-o com força e dei um beijo em sua testa. Jonas se encostou em mim. Se eles eram capazes de fazer aquilo com um bebê, o que faria conosco? (pág. 23)”.

Apesar de fictício, o livro é baseado em histórias reais e para a construção dessa obra, a autora fez uma grande e importante pesquisa, ouvindo os relatos de sobreviventes da época, e que durante anos permaneceram em silêncio, sem revelar a verdade. Uma das pessoas mais importantes para a construção dessa obra é Linas Zabaliunas, que segundo a autora, é responsável pela existência do livro.
Os curtos capítulos mostram toda a dificuldade enfrentada pelo povo lituano – e de outros países bálticos -, de uma maneira capaz de deixar o leitor com um nó na garganta. É triste imaginar que tudo o que as personagens passam nos mais de oitenta capítulos realmente aconteceu, e de certa forma, é uma maneira de refletir sobre muitos conceitos históricos e sentimentais, como por exemplo, o valor da amizade e da família. Podemos perceber que muito se fala sobre Adolf Hitler e as consequências de suas atitudes, porém esse livro vem mostrar que Stalin foi tão ruim quanto o alemão. Até mesmo pior.
A autora dividiu a história em três partes (Ladrões e Prostitutas; Mapas e Serpentes; e Gelo e Cinzas) e narra em primeira pessoa, mostrando tudo na visão da personagem principal, Lina Vilkas. O interessante é a narração em dois tempos diferentes, ou seja, em alguns momentos vivenciamos as dificuldades ao lado da personagem, e em outros, o passado que explica muito sobre a vida e a personalidade de Lina, que ao longo dos capítulos, usa de seu talento, para tomar uma atitude de risco e de suma importância para o desfecho da história.

“- Como assim? Hitler expulsou Stalin a Lituânia - disse Jonas.
- Isso não faz dele um herói. Será que vocês não entendem que o nosso país está condenado? Pouco importa na mão de quem nós vamos cair. Nosso destino é a morte - disse o careca. (pág. 130)”.

A editora Arqueiro faz um belíssimo trabalho de tradução, revisão e diagramação, onde tudo facilita a leitura. Já a capa, possui detalhes simples e que fazem todo sentido com a obra, dando uma significativa explicação a tudo exposto. Um dos pontos mais fortes é o uso de um mapa, nas primeiras páginas, que mostra o caminho percorrido pelos lituanos, que deixaram Kaunas, antiga capital do país, e foram levados para um ponto longe, já no Polo Norte.
O livro possui ainda personagens fortes, e que reagem das diversas maneiras as situações impostas pelo momento vivido na narrativa. Os principais são Lina, o irmão Jonas e a mãe Elena Vilkas, que mostram toda a perseverança e o amor de uma família unida e de uma bondade única. Há ainda personagens que reagem negativamente – e que nem por isso estão errados – e que marcam o leitor. E por fim, Andrius, personagem também marcante e que tem sua importância desde que aparece na vida de Lina, ainda na Lituânia e passa a viver todo aquele pesadelo ao lado da protagonista.

“Na Sibéria só havia dois desfechos possíveis. Sucesso significava sobrevivência. Fracasso significava morte. Eu queria sobreviver. (pág. 224)”.

A Vida em Tons de Cinza se tornou um livro favorito e marcante. É difícil encontrar algo que estrague o desenrolar da história. É difícil encontrar palavras para descrever o que encontramos, e apesar de merecer muitos elogios, também não é fácil encontrar palavras para eles sejam feitos. É um livro complexo, com uma história rica em detalhes e pesada. Com fatos de uma guerra, situações constrangedoras e desumanas, que mostram a realidade de uma época não tão distante. Uma época que entrou para a história da humanidade, e que nem por isso, está na boca do povo. Uma verdadeira lição de vida, de amor e de esperança.