Colocar a igreja Católica – ou outra entidade do gênero - como cenário de um romance, na maioria das vezes gera polêmica. Quando o livro em questão aborda os sentimentos e a sexualidade de um sacerdote, podemos esperar que isso seja ainda mais polêmico, o que de certa forma acontece no livro Porque Eu Amei (resenha). Mas por que trabalhar com essa temática? Como tem sido a recepção dos leitores? A história terá uma continuação? E como foi o trabalho de publicação do livro? Isso e muito mais foi perguntado ao autor, e a partir de agora, estamos De Olho em Roque Neto:
Over Shock - Olá Roque, é um prazer tê-lo como um dos entrevistados do Over Shock e espero que os leitores possam conhecer melhor o escritor Roque Neto, e que com isso mais pessoas venham a ler seus livros. Para começar, apresente o Roque Neto – quando está longe dos livros - aos Overshoquenses.
Roque Neto - O prazer é todo meu!
Sinto muito orgulho de ser tio de três sobrinhos fantásticos. Considero-me privilegiado por poder acompanhar o crescimento deles (apesar da distância geográfica)... Minha família é meu porto seguro. Mas para ser bem honesto, é difícil ficar longe dos livros. Atualmente estou fazendo doutorado em educação e graduação em psicologia. Passo meus dias rodeado por livros acadêmicos. Quando estou de férias, assumo a tarefa de contador de histórias para meus sobrinhos, o que implica mais leitura...
Over Shock - Jogo Rápido
Nome Completo: Roque do Carmo Amorim Neto.
Cidade/Estado: San Francisco, CA.
Data de Nascimento: 6 de maio de 1979.
Estado Civil: Solteiro.
Time: Grêmio.
Profissão: Pesquisador/Escritor.
Estilo de Música: Vários. De música gaúcha a Jay Brannan, ouço tudo.
Prato Preferido: A comida da casa da minha avó.
Filme: Peixe Grande (Big Fish, 2003).
Autor: Érico Veríssimo.
Frase: “Que eu possa viver todos os dias de minha vida” de Jonathan Swift.
Over Shock - Além de escrever Porque Eu Amei, já resenhado no Over Shock, você é autor do livro Narciso: Tédio e Fúria. Nesse livro você aborda a complexidade psicológica dos personagens, certo? Como foi o processo de escrita e publicação desse livro?
Roque - O protagonista de “Narciso: Tédio e Fúria” é um psicopata. Como o livro é narrado na primeira pessoa, o leitor recebe a descrição da realidade através dos olhos de uma pessoa com distúrbio mental, que vê a si mesmo como onipotente e intocável. Esta distorção da realidade aumenta a ênfase na dimensão psicológica dos personagens.
Escrevi meu primeiro livro ficcional em poucos dias e, na verdade, não terminei de escrevê-lo, simplesmente parei de escrevê-lo. Compor um personagem paranoico e violento exigiu muita disciplina e energia. Chegou um momento em que eu estava exausto e entendi que era hora de parar por ali mesmo, apesar de não encerrar a história como havia planejado inicialmente.
O processo de publicação foi ainda mais penoso, pois ninguém conhecia meu trabalho e foi difícil encontrar alguém que apostasse na qualidade do livro. Mas consegui e a recepção foi acima do esperado.
“Eu precisava de tempo para pensar. Apesar de minha sede por vingança, não poderia ser tão egoísta a ponto de provocar um incêndio nas mãos de Dom Castelletti. – Porque Eu Amei (pág. 76)”.
Over Shock - De onde surgiu a inspiração para escrever Narciso: Tédio e Fúria?
Roque - Naquele período eu tinha acabado de escrever minha dissertação de mestrado, intitulada “Ética e Moral na Educação”. Ao mesmo tempo em que escrevia sobre o ideal de uma vida pautada por princípios universais, também me preocupava com a existência do mal e do impacto da violência no mundo. Creio que fatos reais tais como o assassinato de um casal pela própria filha e o abandono de bebês em latas de lixo foram essenciais para compor o ambiente psicológico de “Narciso: Tédio e Fúria”.
Over Shock - Após a publicação do primeiro livro, você encontrou alguma dificuldade para publicar seu segundo livro, Porque Eu Amei? Como foi esse processo?
Roque - O processo foi bem mais simples. Fui mais seletivo. Da primeira vez, mandei meu texto para várias editoras. Desta vez, eliminei da minha lista aquelas que demoram quase um ano para responder, também eliminei aquelas que nem mesmo respondem. Enfim, acho que estava mais preparado para enfrentar este período de ansiedade e espera.
Over Shock - De onde surgiu a ideia para escrever esse segundo livro, onde um padre homossexual passa por um momento de escolhas em sua vida?
Roque - A ideia de compor um sacerdote homossexual como protagonista de “Porque Eu Amei” surgiu com o meu contato com a realidade de casais homossexuais católicos lutando para serem aceitos e respeitados pelas pessoas de suas paróquias. Este contato se deu através de entrevistas para um trabalho acadêmico. Além disto, a leitura de “Confissões” de Santo Agostinho também serviu como referencial.
Over Shock - Em algum momento você pensou em colocar em seu livro um relacionamento heterossexual?
Roque - Sim, pensei. Na verdade, um relacionamento heterossexual foi minha primeira ideia. Entretanto, considerei vários outros motivos ao fazer minha escolha. O que mais pesou para minha decisão final foi o fato de que escrever sobre um relacionamento homossexual, em um país em que a cada semana pessoas são vítimas de crimes violentos motivados por homofobia, serve uma função social. O livro tem o objetivo de apontar para esta realidade.
“Eu queria justiça, o bispo oferecia misericórdia. Não devia esperar outro comportamento dele. Era este tipo de atitude que o distinguia de tantas outras autoridades religiosas, às vezes, para o bem, outras, para o mal. – Porque Eu Amei (pág. 102)”.
Over Shock - José Lucas, protagonista do segundo livro, é um personagem complexo com uma história rica. Você se inspirou em alguém para criá-lo? Ele é seu personagem favorito em Porque Eu Amei?
Roque - Creio que me baseei em muitos “José Lucas” que conheço ou de que ouvi falar. Explico, existem tantas pessoas boas que, para se sentirem amadas e aceitas por outras, são capazes de abrir mão dos próprios valores. Também há pessoas que desejam se comprometer em um relacionamento, mas que ainda não fizeram o dever de casa, que é comprometer-se consigo mesmo, no sentido de tornar-se mais livres, maduras. Contudo, este nível de imaturidade emocional não tira delas a bondade e a honestidade, apenas as limita, como no caso de Lucas.
Over Shock - Qual foi a parte mais difícil de escrever em seu segundo livro? E qual você mais gostou?
Roque - Adorei escrever o capítulo 7. O confronto de José Lucas com Wilson não estava previsto, surgiu e foi muito legal ver o protagonista saindo de si mesmo, de sua prisão emocional, para defender alguém em perigo. A parte mais difícil foi quando Thomas descobre o segredo de José Lucas e também quando o padre descobre o que o namorado escondia... Foram cenas cruéis. Lembro que quando terminei a escrita daqueles capítulos precisei ficar alguns dias longe do texto. No meu processo criativo acabo incorporando um pouco da dor dos personagens, talvez seja isto o que faça meu texto parecer bem real.
Over Shock - Os romances que se passam dentro da Igreja Católica sempre geram polêmicas e muitas vezes são criticados/rejeitados por isso. Você não teve medo de que isso acontecesse?
Roque - Tive um cuidado muito grande para encontrar um equilíbrio. Não era minha intenção criar polêmica sobre o posicionamento da Igreja em relação à homossexualidade. Meu objetivo era contar a história de um ser humano em fase de transição para a vida adulta, através das escolhas e do preço das consequências.
“Mas troféus perdem o brilho, cinco minutos depois que os recebemos, quando os largamos em uma estante qualquer e saímos a procura de um outro mais valioso. E o meu estava a poucos centímetros de mim, conversando com a garçonete. – Porque Eu Amei (pág. 159)”.
Over Shock - Como está sendo a reação dos católicos com a leitura de Porque Eu Amei?
Roque - Sou católico, cresci rodeado por pessoas que exercem liderança em suas paróquias. Os membros de minha família e alguns amigos católicos receberam bem o livro. Não tenho conhecimento da opinião de algum bispo, padre ou seminarista.
Over Shock - O final de seu segundo livro deixa espaço para uma possível continuação, e você já declarou que a história da família Lucas continuará em um novo livro. Você pode nos adiantar alguma novidade sobre essa continuação?
Roque - Vamos lá, deixe-me ver o que posso partilhar com vocês sem estragar a surpresa... Bem, o livro deve continuar com o Victor Lucas, o sobrinho do José Lucas... Através dele vamos conhecer o destino do padre e dos outros membros da família. Tenho o roteiro em mente, falta apenas tempo para escrever...
Over Shock - Sabemos de sua admiração pelo autor Lev Raphael e é justamente ele que escreve o Prefácio de Porque Eu Amei. Como surgiu essa “parceria” e qual foi sua reação com as palavras do autor?
Roque - Minha admiração pelo Lev começou quando eu ainda morava em São Paulo e li os livros dele publicados no Brasil. Adorei o modo simples e direto como ele escreve. Nunca imaginei que um dia o encontraria. Até que ao vir para a Califórnia, decidi frequentar os círculos literários e acabei encontrando Lev Raphael. Desde o primeiro momento, mostrou-se muito atencioso e disponível para partilhar seu conhecimento em relação à literatura. Quando o convidei para escrever o prefácio, ele aceitou prontamente.
Apesar de ter consciência da generosidade do Lev, não esperava palavras tão fortes ao meu respeito. Sou grato pela confiança que ele depositou em mim desde o primeiro momento.
“Thomas fechou a porta do carro com violência. Deu um passo para trás e cruzou os braços. Minha face estava coberta por lágrimas, a dele por ódio. – Porque Eu Amei (pág. 201)”.
Over Shock - Atualmente você vive nos EUA, e de certa forma, alguns aspectos são diferentes do Brasil. Para você, a sociedade norte-americana tem a mente mais aberta em relação aos homossexuais ou eles sofrem e são descriminados tanto quanto no Brasil?
Roque - Isto depende do ângulo pelo qual observamos a sociedade americana. Aqui na Califórnia, especialmente em San Francisco, os homossexuais são bem organizados e tem uma representação em várias instâncias da sociedade. Entretanto, em alguns outros estados ainda há muito preconceito. Os direitos de casais homossexuais são respeitados em alguns estados, em outros eles são absolutamente ignorados.
Over Shock - Se você, Roque Neto, estivesse na mesmo situação de José Lucas – prestes a se tornar bispo e realizar o sonho de sua mãe – e precisasse fazer escolhas, você assumiria as consequências ou se omitiria com medo?
Roque - Amo minha mãe e os demais membros de minha família. Contudo, acredito que alcancei um nível de desenvolvimento humano que me permite ser coerente com meus valores e minha identidade. Viver uma vida inteira para atender aos desejos de outros não me parece saudável.
Over Shock - É isso Roque. Espero que você tenha gostado e deixo esse espaço para que você possa fazer suas considerações finais, deixando links e outras informações. Muito obrigado pela entrevista, pela parceria e por acreditar no trabalho do blog.
Roque - Sou eu que agradeço pelas perguntas inteligentes e pontuais. Convido aos leitores do Over Shock para acompanharem meu trabalho em minha página no Facebook (https://www.facebook.com/AutorRoqueNeto) e também no Twitter (https://twitter.com/RoqueANeto).