Olá, pessoal. Tudo bem? Espero que sim.

Hoje eu vou falar do gênero que mais escrevo e mais acredito que seja uma boa forma para escritores iniciantes começarem suas carreiras: o conto.

Ao contrário do haicai, o conto não foi criado em um só país. Ao contrário da literatura policial, ele não nasceu graças a um só escritor (Edgar Allan Poe com "Os Assassinatos da Rua Morgue, em 1841. "Um Estudo em Vermelho", o primeiro livro de A. C. Doyle com Sherlock Holmes só foi publicado em 1884). E ao contrário das tendências literárias (também taxadas de "modismo literário". Algo que, a meu ver, soa pejorativo), a arte de escrever contos não começou ontem e nem vai acabar amanhã (assim espero).

Mas se o conto é quase um patrimônio da humanidade... como defini-lo?

Edgar Allan Poe procurava descrevê-lo como algo que pudesse ser lido com apenas uma assentada. H.G. Wells o definia como uma narrativa que pudesse ser lida em meia hora. E Mario de Andrade dizia que conto é tudo aquilo que o autor batizou com o nome de conto.

Difícil, não é mesmo?
“Há sempre uma qualidade nos contos, que os torna superiores
aos grandes romances, se uns e outros são medíocres:
é serem curtos” Machado de Assis
Na internet, o primeiro significado que encontramos é "narrativa breve e concisa, contendo um só conflito, uma única ação (com espaço geralmente limitado a um ambiente), unidade de tempo, e número restrito de personagens". Destrinchando-a, temos os seguintes tópicos:

  • Narrativa breve e concisa: contos são textos curtos e com poucas palavras. Quanto menos, melhor;
  • Contendo um só conflito: um homem tem um affair com uma mulher casada e o marido dela, que é seu amigo, o chama para uma conversa. Isso é UM conflito. Agora mostrar a vida deste rapaz conhecendo-a, um se interessando pelo outro, a conquista e os meios que encontram para se encontrar são VÁRIOS conflitos. Escritores iniciantes gostam de escrever longamente e jamais conseguiriam fazer o segundo caso virar um conto. Logo, recomendo a autores iniciantes que se foquem na relação “um conto, um incidente” até se acostumarem ao estilo;
  • Uma única ação: um delegado conversa com um detetive particular procurando solucionar um caso e o detetive ajuda apenas para prejudicar o criminoso, com o qual tem um desafeto: isso é uma ação. Um morador de rua vê seu cão morrendo de fome e alivia a dor do animal matando-o: isso é outra ação. Seja como for, cada ação exige UMA reação. E é essa uma forma clássica que muitos autores podem se dedicar antes de escreverem contos com mais de uma situação;
  • Com espaço geralmente limitado a um ambiente: no exemplo acima, o detetive e o delegado podem conversar em uma delegacia, na agência do detetive, na casa de um dos dois ou até em uma lanchonete. Já o mendigo pode andar por algumas ruas. Contudo, o assassinato do cão será em algum lugar específico.

Portanto, podemos ver que o conto é um gênero textual que exige brevidade, agilidade e desfecho. Aprendi em uma palestra que um livro é avaliado pela sua abertura (primeiras quinze linhas) e se for bom, o avaliador prossegue com sua leitura até algo entre as páginas 50 a 100. Se gostar, o autor tem 50% de chance de ser publicado. Como o conto é mais curto, você tem que pensar em “vou cativar em poucas páginas”.

Alguns escritores afirmam que o conto é subestimado por escritores iniciantes, que por sua vez o consideram um texto fácil por ser curto. Outros acreditam que o conto é uma boa forma de ingressar no mercado literário tanto pela questão das antologias (quer ver o que penso delas? Leia aqui) quanto pelo fato que o planejamento que o conto exige vai resultar em um trabalho de 15 páginas, por exemplo, ao passo que um romance exigiria planejamento para um trabalho de 150, em outro exemplo.

O que penso: como o povo brasileiro não tem o costume de ler e ainda por cima nem todos querem “perder tempo” com trabalhos de iniciantes, é mais fácil mostrar o seu potencial com um texto de 3 páginas em vez de uma obra de 300. Sem contar que você pode gastar um mês e produzir um conto (o conto mais trabalhoso que escrevi me consumiu dois meses). Agora produzir um livro inteiro em um mês é bem complicado...

Portanto, se você se acostuma a ter ideias, planejá-las, definir personagens e seus backgrounds (não sabe o que um background? Leia aqui), descrever cena a cena (não sabe o que é uma cena? Leia aqui) e ainda dar um desfecho, quando for planejar um romance é só aumentar a escala.
“O romance vence sempre por pontos,
enquanto o conto deve vencer por nocaute”
Júlio Cortázar

Para um escritor produzir contos, é preciso:
  • Ler contos: você não pode criar aquilo que não sabe como é feito. Então leia contos de autores nacionais e estrangeiros, novatos ou veteranos, em livros ou em sites, etc. E se quiser escrever contos de fantasia, não adianta ler os de romance. Procure unir o gênero com o tema;
  • Estudar a técnica de escrita: boa abertura, construção do caráter de um personagem, escrita de diálogos, passagem cena a cena, desfecho e clímax são coisas essenciais tanto nos contos quanto nos romances. Mas você acredita que tais técnicas não tenham um pouco de variação quando aplicadas em contos ou em romances?
  • Escrever: quer escrever contos? Escreva, oras! Depois de conhecer e estudar o gênero, nada melhor que colocar em prática;
  • Expor: você tem amigos leitores assíduos? Eles têm tempo para ler? Mostre para eles o seu trabalho. Se conhecer algum crítico literário, melhor ainda. Até lá, se vire com o que tiver;
  • Reescreva: ninguém acerta nada na primeira vez. Então aceite que até um texto de uma página precisará ser reescrito, mas sem passar de dez para mil páginas. É quase como ser um lutador: fique melhor sem subir de peso.

Como o conto é um texto curto, você vai precisar ponderar sobre todas as descrições que vai fazer: a aparência física do personagem faz alguma diferença na trama? A informação da cor ou do modelo do carro será útil no meio ou no final do texto? O nome de todos os órfãos em um orfanato é importante ou é preciso detalhar somente aqueles que vão interagir com o protagonista?


“Ah, mas eu quero colocar informação X e trecho Y porque ficam bonitos e têm significado na minha vida” pensa o escritor iniciante.

Você pode colocar. Sem problemas. A questão é tal trecho não só pode gerar uma quebra de ritmo na leitura como também o leitor assíduo pode esperar que tais informações façam a diferença no final e quando não fizerem, terá insatisfação. E você não está escrevendo somente para si. Você quer publicar. Expor a alguém. Do contrário, faça um diário e nunca deixe aquele seu irmão mais novo encontrá-lo...
Alice Munro, contista canadense, com seu Nobel de Literatura:
contos não levam a lugar nenhum? Não dão futuro? Tem certeza???
Portanto, caros leitores, fico por aqui com todos os conselhos já dados e um mantra para pensarem enquanto estiverem produzindo seus contos:

Curto, rápido e forte.

Abraços a todos(as) e continuem escrevendo.

Nota: tirei este mantra de um mangá de esportes chamado Hajime no Ippo. Recomendo!

Sobre o Autor
Davi Paiva nasceu em São Paulo, Capital, em 1987. É graduado em Letras pela Universidade Cruzeiro do Sul. Participou de várias antologias da Andross, Terracota, CBJE, Navras, Literata, All Print, Aped e Darda Editora, sendo nesta última o organizador da antologia Poderes - Contos sobre Pessoas com Dons Extraordinários. Publica suas obras em diversos sites, entre eles o recantodasletras.com.br
Contato: davi_paiv@hotmail.com.

6 Comentários

  1. Olá Davi!
    Mais um artigo ótimo. Não me considero contista. Escrevia um conto aqui ou ali, só fui entra nessa mesmo com as antologias e o Café com Letra.
    Ainda estou aprendendo, mas os anos de experiência com os livros me ajudam no processo menor do conto. Mesmo que algumas ideias precisem ser reescritas umas 4 vezes. hahaha
    Beijos!

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    1. Oi, Ane. Beleza?
      Obrigado por gostar do artigo. Eu também não me considero um contista. Só quero fazer um bom trabalho.
      Não se preocupe. Estamos nessa estrada de estudos e reescritas juntos.
      Abraços.

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  2. Olá Davi!
    Hoje abri minha caixa de e-mails e vi a divulgação deste post. E, sério!, SENSACIONAL!!
    Gostei muito! É um bom texto para guardar inclusive, para refletir, até para servir de bases para aulas! Muito bom mesmo!
    Escrevo bastante contos, acredito que apenas uma vez me dediquei a escrever algo maior e denso. Inclusive tento participar de antologias (vou ler o texto que você fala sobre elas), e realmente contos são narrativas, apesar de curtas, rápidas, podem possuir uma carga fortíssima! Isso é incrível!
    Muito bom mesmo!

    Jônatas Amaral
    alma-critica.blogspot.com.br

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    1. Oi, Jônatas. Tudo bem? Espero que sim.
      Obrigado por gostar dos artigos. Espero que ele seja de grande utilidade para você e seus alunos.
      Se quiser participar das minhas antologias também, será bem-vindo.
      Regulamentos:
      detonerds.blogspot.com.br/2016/05/antologia-monstros-entre-nos-regulamento.html
      detonerds.blogspot.com.br/2016/05/antologia-meu-pequeno-grande-livro.html
      Abraços.

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  3. Olá Davi,adorei seu artigo!Assim como os outros (ja dei uma espiadinha hehe).Eu sou uma escritora iniciante e amo ler e escrever contos. Com certeza depois de ler esse post irei produzir contos com muito mais qualidade. Parabéns pelo seu trabalho e continue postando no "A Oficina". ��

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    1. Oi, Sergilaine!
      Obrigado pela leitura.
      Quando puder, participe das minhas antologias. Lá eu instruo bastante os participantes.
      Abraços.

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